
Filosofia
Textos Clássicos

Alegoria da Caverna – Platão (Fonte Antologia Ilustrada de Filosofia pp. 68-72)
SÓCRATES Compara a nossa natureza, no que diz respeito à educação e a sua falta, a uma imagem como esta. No interior de uma morada subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, tão ampla que se estende por todo o comprimento da caverna, imagina ver alguns homens que ali que ali estão desde criança, acorrentados pelas pernas e pescoço, de modo a ficarem imóveis e poder olhar somente a sua frente, incapazes, devido às correntes, de volver a cabeça.
Às suas costas, brilha, alta e longínqua, a luz de um fogo, e, correndo entre o fogo e os prisioneiros, há um caminho ascendente. Ao longo deste caminho imagina que se construiu um pequeno muro, como os tapamentos que os titereiros erguem à sua frente e sobre os quais exibem os bonecos.
GLAUCO Estou vendo.
SÓCRATES Imagina ver, ao longo desse muro, homens portando todo tipo de objetos que ultrapassam a sua margem, como estátuas e outras figuras de pedra e de madeira, de diversas feituras; e, como é natural, dentre esses homens, alguns falam e outros se calam.
GLAUCO Estranha imagem essa tua, e estranhos prisioneiros.
SÓCRATES Parecem-se conosco. Crês que tais pessoas possam ver, antes de si mesmas e dos companheiros, algo mais do que as sombras projetadas pelo fogo contra a parede da caverna que está à sua frente?
GLAUCO E como poderiam, se são forçadas a manter imóvel a cabeça por toda a sua vida?
SÓCRATES Com os objetos carregados não se passa o mesmo?
GLAUCO Certamente.
SÓCRATES E se aqueles prisioneiros pudessem conversar entre si, não crês que diriam serem reais as suas visões?
GLAUCO Obrigatoriamente.
SÓCRATES E se na prisão a parede em frente também produzisse um eco? Sempre que um dos carregadores fizesse ouvir a sua voz, crês que julgariam que fosse outra senão a voz da sombra que passava?
GLAUCO Não, por Zeus.
SÓCRATES Para essas pessoas, enfim, a verdade não é mais do que a sombra de objetos artificiais. GLAUCO Forçosamente.
SÓCRATES Examina agora como poderiam livrar-se dos grilhões e curar-se da inconsciência. Admite que acontecesse com eles um caso como este: que um deles fosse libertado, repentinamente obrigado a levantar-se, a virar a cabeça, a andar e a erguer o seu olhar para a luz; e que, ao fazer isso, sentisse dor e o deslumbramento o tornasse incapaz de distinguir os objetos dos quais antes ele via as sombras.
O que crês que ele responderia, se lhe disséssemos que antes ele via vacuidades desprovidas de sentido, mas que agora, estando mais próximo daquilo que é e com os olhos voltados para os objetos reais, pode ver melhor? E se, mostrando-lhe cada um dos objetos que passam, lhe perguntássemos, obrigando-o a responder o que são? Não crês que ficaria em dúvida e que julgaria mais verdadeiras as coisas que via antes do que as que lhe são mostradas agora? GLAUCO Certamente.
SÓCRATES E se o obrigássemos a olhar a própria luz, não lhe doeriam os olhos e não procuraria fugir em direção aos objetos cuja visão pode sustentar? E não os julgaria efetivamente mais claros do que aqueles que lhe foram mostrados?
GLAUCO É assim.
SÓCRATES E se, depois, o arrastássemos dali à força, obrigando-o a subir o caminho rude e íngreme, e não o soltássemos antes de arrastá-lo até a luz do Sol, não sofreria e não se agastaria por ser assim constrangido? E chegando à luz, por estarem seus olhos ofuscados, não poderia ver nenhuma das coisas que agora são ditas verdadeiras.
GLAUCO Não poderia, de fato, não repentinamente.
SÓCRATES Precisaria acostumar-se a isso, creio eu, se quisesse ver o mundo superior. Primeiro observaria as sombras e depois as imagens dos seres humanos e dos outros objetos refletidas na água, e por fim os próprios objetos; a partir daí, então, voltando o olhar para a luz das estrelas e da Lua, poderia contemplar mais facilmente durante noite os corpos celestes e o próprio céu do que o Sol e a luz do Sol durante o dia.
GLAUCO É claro.
SÓCRATES Finalmente, acho eu, poderia observar e contemplar o Sol como verdadeiramente é, não as suas imagens nas águas ou sobre outra superfície, mas o Sol em si, no lugar que lhe é próprio.
GLAUCO Sim. Falando do Sol, seria possível concluir ser ele quem produz as estações e os anos, quem governa todas as coisas do mundo visível e, de algum modo, é a origem de tudo o que ele e os seus companheiros veriam.
SÓCRATES E ao lembrar-se da primeira morada e do saber que lá possuía, dos companheiros de prisão, não achas que se sentiria feliz com a mudança e sentiria pena deles?
GLAUCO Certamente.
SÓCRATES Quanto às honras e aos elogios que talvez trocassem entre si, e às recompensas reservadas àqueles que, com maior perspicácia, observavam os objetos que desfilavam e melhor se lembravam quais passavam antes, quais vinham depois e quais seguiam ao mesmo tempo - adivinhando, portanto, qual seria o próximo -, julgas que ele invejaria os prisioneiros e cobiçaria as honras e o poder que recebiam? Ou ele estaria na condição descrita por Homero e preferiria "servir a alguém como camponês, por salário, um homem sem riqueza", e padecer tudo, a ter aquelas opiniões e viver daquele modo?
GLAUCO Eu também penso assim: aceitaria sofrer tudo antes de viver daquele modo.
SÓCRATES Reflete agora sobre outro ponto. Se o nosso homem descesse de novo e voltasse a ocupar o mesmo assento, não teria os olhos cobertos de trevas, vindas de onde havia Sol?
GLAUCO Sim, certamente.
SÓCRATES E se tivesse novamente que discernir aquelas sombras e competir com aqueles que permaneceram prisioneiros, antes que sua vista ofuscada voltasse ao normal? E se esse período de readaptação fosse longo?
Não seria ele, então, objeto de riso? E não se diria que ele regressa da sua subida com os olhos arruinados e que assim não vale a pena tentar subir? E se alguém tentasse soltar aqueles prisioneiros e levá-los para cima, não o matariam, talvez, se pudessem agarrá-lo e matá-lo?
GLAUCO Certamente.
SÓCRATES Toda essa imagem, meu caro Glauco, deve ser aplicada ao que dissemos antes: devemos comparar o mundo conhecível à visão possível na prisão, e a luz do fogo que está lá dentro à luz do Sol. Se por acaso considerares que a ascensão e a contemplação do mundo superior equivalem à elevação da alma ao mundo inteligível, não chegarás a uma conclusão muito diferente da minha, já que desejas conhecer a minha opinião.
O deus sabe se ela é verdadeira. Eis o meu parecer: no mundo conhecível, a ideia do Bem, difícil de enxergar, é o limite extremo do Bem; e, uma vez avistada, a razão nos leva a considerá-la a origem de tudo o que é reto e bom; no mundo visível, ela produz a luz e o soberano da luz. No inteligível, ela mesma confere, como soberana, verdade e inteligência. E quem quiser se comportar com sabedoria, em particular e em público, precisa vê-la.
GLAUCO Tanto quanto possível, eu também estou de acordo.
SÓCRATES Concorda comigo também sobre esse outro ponto e não te surpreendas que aquele que se elevou a tal altura não queira se ocupar dos assuntos humanos, mas que a sua alma seja continuamente estimulada a viver na altura. É natural que seja assim, se também para isso vale a imagem anterior. GLAUCO É natural.
SÓCRATES E acreditas que podemos nos surpreender se alguém, passando das visões divinas às coisas humanas, fizer um péssimo papel e parecer totalmente ridículo, por ter a vista ainda ofuscada? E se, antes mesmo de se acostumar novamente com as trevas circundantes, for obrigado a discutir nos tribunais, ou em outro lugar qualquer, sobre as sombras da justiça ou sobre as imagens que dão origem a essas sombras, e a lutar contra a interpretação dada a esses problemas por quem nunca viu a justiça em si?
GLAUCO De fato, não nos pode surpreender.
SÓCRATES Mas uma pessoa sensata se lembraria de que os olhos estão sujeitos a dois tipos de perturbações, por dois motivos diferentes: passar da luz às trevas e passar das trevas à luz.
E se pensasse que o mesmo vale para a alma, quando visse uma alma perturbada e incapaz de ver qualquer coisa não começaria a rir como uma tola, mas procuraria saber se, vindo de uma vida mais luminosa, ela estaria cega por estar desacostumada; ou se, passando da ignorância para uma situação mais luminosa, ela estaria ofuscada por muita luz. E assim diria uma, feliz com a sua condição e com a vida que leva, tendo pena da outra. E, se quisesse rir, o seu riso seria menos ridículo do que aquele que agrediria a alma que vem do alto, da luz.
GLAUCO O que dizes é correto.
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Teoria da reminiscência trecho do livro Fédon (Fonte Antologia Ilustrada de Filosofia pp. 65-68);